domingo, 12 de dezembro de 2010

Através

Ela o amava, como apenas uma mulher o pode fazer!
Sentia um desvelo quase maternal por aquele que era seu homem,
Passava as horas de seu dia a pensar no que faria para o jantar...
Mas não tinha tantas assim, trabalhava, sim não podia  dar-se ao luxo de apenas cuidar dele...
Trabalhava duro para terem uma vida melhor...mas precisava mudar pra melhor, agora,  ela ignorava, fazia que não sabia, a vida lhe era generosa...tinha seu homem
E nos fins de semana passava horas em pé a engomar suas camisas, ele gostava delas bem passadinhas, lhe doíam as pernas mas não reclamava, quando terminava ia mostrar-lhe com a alegria inocente de um cão que espera festinhas do dono...
-estão bem assim?
Ele a olhava e assentia, falava pouco.
Se esforçava para lhe fazer feliz, não importava de sacrificar seu fim de semana em desvelos, era sua obrigação, mesmo com as pernas a doerem... sobrava-lhe pouco tempo para escrever, coisa de que muito gostava, mas o fazia, e lhe mostrava mas, nunca viu uma reação verdadeira, de gente, de pessoa, de homem, de seu amor...só seu...talvez.
Fazia janta, lavava roupa, arrumava a casa que ele fazia questão de bagunçar, trabalhava muito, era muito ocupado...
Não olhava pra ela, através as vezes..muitas...talvez
Queria carinho, tinha escassos, queria atenção
Tinha pouca...
Trabalhava num livrinho, destes despretensiosos que as mulheres lêem quando estão entediadas, pois ela assim fazia, quando falava a respeito seus olhinhos mais uma vez brilhavam... cão danado...
Ele não se interessava...
Eram casados mas ele sabia pouco dela, dizia que a amava, ela acreditava e sentia...
Mas olhava através
Era pobre, e tinha a enorme maldição que acomete um povo assim, não queria incomodar, com sua existência suas idéias seus anseios...
Sabia de arte, e literatura e música boa...
Mas não sabia dele...porque através?
Quando deu por terminado seu livrinho mostrou-lhe, queria elogios, os merecia,
Mas ele disse que estava bom...
Bom
Essas palavras ecoaram por sua mente noite afora,
No dia seguinte não fez café
E foi trabalhar sem falar nada... o dia assim...frio!
A noite perguntou por seu desinteresse...
-Você que não fala, ele disse, não me compartilha sua vida!
Questionou ele sobre seus sonhos ( que eram só seus)
E ouviu ele dizer que lia demais e fazia de suas histórias sonhos, e que a vida era boa assim...
Ela não dormiu
E mais uma semana
E após muito pensar que queria ler mais, e viver seus sonhos, que eram só seus!
Juntou suas economias que guardara para o quarto de uma filha sonhada... só sua
Levou consigo seu livrinho, e seus sonhos e seu amor...
Deixou-lhe uma carta, pois gostava de escrever
Onde dizia o quanto o amava, e ela o fazia muito, e que tinha uma lista de desejos
Que nunca conseguiu realizar, ele achava bobagem, mas eram vitais para ela...
Nunca tomou banho de chuva
Nem dançaram abraçados sob o luar
 nunca lhe escreveu um poema
 nunca gostou de cinema europeu
não sabia...
não queria andar de balão
não ouviu quando falou
nem chorou ou quando disse que iria partir...
e ela partiu, e com ela a sanidade dele, que até então não se tinha dado conta
que era ela sua razão de ser ...todas as manhãs.
Ela partiu e com seus sonhos, realizou o que seu coração pedia,e ele...
Viveu uma vida boa, assim, sem amor e paixão, até o dia em que  resolveu fazer uma surpresa e lhe reconquistar.

alugou um balão e foi ao seu encontro...queria fazer-lhe surpresa.

mas  no meio do caminho uma rajada de vento o derrubou do balão e ele morreu....

hahaha
bem feito!
















sábado, 11 de dezembro de 2010

Sobre o que escreve Clarice?

Sobre o que escreve Clarice?

Esta pergunta feita por uma grande amiga me emudeceu...
Fiquei sem palavras para explanar por muitos minutos o assunto ( coisa que faço muito quando gosto de algo e que deve ser chato pra quem ouve rsrsrs).
Sobre o que ela escreve? Esta pergunta veio de uma pessoa que nunca a leu, e diante de meu entusiasmo teve a mais natural reação, questionar sobre o que a pessoa escreve?
 e eu não soube dizer...
Isto me inquietou a tal ponto, que passei uns dias a pensar, e cheguei à uma conclusão minha, só minha.
Encontrar-se com uma obra de Clarice é uma experiência única, ou se ama ou odeia-se.
A reação é imediata, Clarice escreve sobre gente, sobre humano, existir... sobre à vida.
Lembro-me do impacto que tive ao ler laços de família, meu primeiro contato com sua obra.
Senti-me nua diante daquela alma que escrevia, ela entendia meu mundinho...
Cheio de questionamentos, de certezas e medos e uma audácia só vista em adolescentes, meus 13 anos me permitiram uma simbiose completa com Clarice...
Era uma torrente de emoções descritas da maneira como eu sentia... a cada página lida meu fascínio crescia...
Hoje ao reler cada palavra sua, uma coisa nova é dita.
Clarice escreve sobre as mulheres...
Nenhum outro ser consegue tão alto grau de evolução, a mulher é forte e frágil, mística mas extremamente prática, vai as compras e devaneia sobre a paixão...as mulheres de Clarice somos nós, todas...em todos os ciclos...um manancial de vida...
Clarice escreve sobre o amor...
Em todas suas formas; atormentado, revelador, amor que consome e é combustível...
Clarice escreve sobre o que sentimos...
Escreve sobre o que somos e temos medo de assumir, sobre o que vemos nos outros e fechamos os olhos, é a paisagem que no cartão postal mostra o mar a areia e as mazelas...
Mergulhar em sua obra é fazer um mergulho em si mesmo, é ter exposto coisas que você não revela, é uma inquietação deliciosa...
Ela não se poupa, nem a nós...
Ela escreve! No presente, pois sua obra é imortal, atemporal, e cada vez que relemos, descobrimos um novo significado...
Me atrevo a dizer que não lhe afetará o que eu penso acerca do que ela escreve...
Ao lê-la verás que ela escreve para ti...unicamente!

Como ela nos disse:
“Pensar é um ato. Sentir é um fato”

  estátua de Clarice na praça Maciel pinheiro, Recife onde morou na infância.
detalhe da máquina de escrever em seu colo.